Segunda parte do Capítulo 3 de SÁRDIRUS - A TERRA LENDÁRIA DO AGRESTE
3 –
A
BARGANHA COM O QUITANDEIRO
(Segunda Parte)
Alberto
por um instante abaixou a cabeça e começou a sair, vencido. Porém, num
rompante, virou-se mais uma vez para seu João da Mata, encarando-o severamente.
– O
senhor vai ter que nos levar, seu João.
–
Alberto... –, chamou Leônidas, louco para sair logo dali. No entanto, seu primo
o ignorou.
– Todo
domingo o senhor vai buscar queijo no seu sítio, em Coivaras. A Serra fica no
caminho de lá. Amanhã é domingo, e já que o senhor vai passar lá de qualquer
jeito, não vai lhe causar nenhum prejuízo levar a gente.
– Amanhã
não, o prejuízo vem depois, quando vocês desaparecerem na mata e eu tiver que
dar conta de vocês. Nem pensar, seu pirralho. Pra mim é caso encerrado.
–
Lamento, seu João. Mas o senhor está me obrigando a fazer o que eu não queria.
– Como
assim? Do que você está falando?
– Estou
falando das pessoas que compram gato por lebre aqui na sua mercearia. De uma
cachacinha que ganha um pouquinho de álcool a mais, pra render. De um melzinho
de açúcar pra completar o mel de tiúba. De um detergente com o dobro de água,
que cheira muito mas não limpa nada... Coisas assim, seu João.
O velho
quitandeiro estava de respiração suspensa e de olhos esbugalhados. A voz saiu
aos solavancos.
– Como é
que você se atreve, seu peste?
– Eu já
disse que sinto muito, seu João. Mas agora que comecei, vou até o fim. Até
porque não tou pedindo nada que lhe prejudique. Só quero uma carona até a serra,
só isso. Eu e meu primo não somos idiotas, seu João. Nós não vamos desaparecer
nem nada desse tipo. Tenho 12 anos e ele tem 13. Não vamos fazer nenhuma
besteira, eu juro. A gente só quer ir lá na serra pra brincar à vontade, sem
nossos pais nos proibindo até de olhar pros lados que eles não querem que a
gente olhe. Leve a gente, seu João, por favor! O senhor vai mesmo pra Coivaras,
e vai passar na serra de qualquer jeito. Não lhe custa nada. Gosto muito do
senhor, mas se o senhor se recusar a me fazer um favor tão simples é porque não
é meu amigo. E se nós não somos amigos não sou obrigado a guardar seus
segredos. Posso contar pra todo mundo que...
– Chega,
seu monstro mirim! – O velho estava embasbacado. Porém, viu que a barganha
estava ganha pelo garoto. A arma que ele tinha nas mãos era poderosa demais. –
Você quer que eu fale com sua mãe e peça permissão pra levar vocês dois, não é
isso?
–
Entendeu direitinho, seu João. Eu sabia que o senhor não ia querer perder um
amigo do meu calibre. Seus trambiques estão seguros, não se preocupe.
– Me
respeite, seu terrorista!
– Foi
mal, seu João. É que a gente é tão amigo que ás vezes eu até penso que o senhor
também tem 12 anos.
Seu João
da Mata enxugou o suor da testa com as costas da mão, bufando de contrariedade.
E, impaciente:
– Pois
bem. Daqui a pouco dona Sofia virá aqui, não é? Vou falar com ela. Mas você
precisa saber, seu pequeno monstro, que eu não posso nem desejo violar a
autoridade de sua mãe e de seu pai. Falar com ela e pedir permissão pra levar
vocês, isso eu faço. Agora, se ela não permitir, não venha me responsabilizar e
me chantagear, que a culpa não é minha.
– Tá
certo, seu João. O senhor só tem que fazer a sua parte direitinho e deixar o
resto comigo. Mas não vale esperteza, seu João. O senhor não pode falar com
mamãe só por falar, sem mostrar muito interesse. Quando for pedir permissão a
ela, o senhor tem que estar com aquele brilho nos olhos, entende? Como se eu
fosse o seu amigão mais amado do mundo, e o senhor ficasse numa fossa danada
quando está longe de mim. Se o senhor pudesse chorar, ia ser perfeito, seu
João.
– Mas é
um patife de nascença mesmo! Passa fora, Sapo-Pinga! Já perdi tempo demais com
você, e o Domingos só tem duas mãos. Anda, moleque, se manda, que eu tenho o
que fazer.
– Sim
senhor, meu amigão. Mas antes, deixe eu lhe dar meu abraço de agradecimento.
Antes que
seu João da Mata pudesse se esquivar, o menino já estava com os braços
enroscados em sua cintura. E tão rápido como o agarrou, Alberto o largou e saiu
na frente, chamando Leônidas e eufórico. Passaram mais uma vez por dentro da
mercearia, pagaram e receberam os pães das mãos do Domingos e foram embora.
Um
segundo depois, seu João da Mata adentra de volta a mercearia, e ainda tem
tempo de ver, por sobre o balcão, os dois meninos se afastando e conversando
coladinhos, em tom de confidência. Por um instante o olhar do velho fica
distante, se abstrai, como se a petulância daquele menino o fizesse recordar de
um outro menino, num passado já remoto, que também fora sonhador e atrevido,
mas que em algum momento deixara de ousar e sonhar, e hoje era só um velho
quitandeiro, que admirava secretamente a coragem do menino que acabava de
derrotá-lo num duelo de vontades. Sorriu discretamente. Ah, nanico! E voltou para os seus afazeres.
(Continua no próximo post. Inté!!!)
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