Terceira parte do Capítulo 3 de SÁRDIRUS - A TERRA LENDÁRIA DO AGRESTE
3 –
A
BARGANHA COM O QUITANDEIRO
(Terceira Parte)
O
restante da manhã transcorreu normal.
Sofia e
Ramiro, como a grande maioria das famílias humildes, abasteciam a sua dispensa
apenas com os produtos mais básicos. Por isso, diariamente iam comprando o
complemento das refeições e substituindo o que faltava. Seu João da Mata era o
comerciante que dava crédito aos moradores mais antigos do bairro e que ele
reconhecia como íntegros. Ramiro era cliente da mercearia havia muitos anos, e
a carne, o leite, o frango, o queijo, os refrigerantes para as tardes quentes,
e tudo o mais que fosse precisando, era comprado na mercearia de seu João da
Mata, conforme a necessidade.
Por volta
das sete e meia Sofia foi fazer as compras do dia, deixando o filho e o
sobrinho arrepiados de expectativa. Pela demora um pouco além de uma ida normal
à mercearia, eles puderam saber que seu João estava cumprindo sua parte no
acordo.
Enfim
Sofia retornou.
–
Alberto, seu João lhe falou alguma coisa quando você foi comprar pães, mais
cedo? – indagou a mãe.
– Não
senhora, mãe. E nem tinha como, a bodega tava lotada. A senhora sabe como fica
aquilo ali de manhã. Eu e o Leozinho ficamos de molho um tempão. Tive que falar
grosso com o lerdo do Domingos, pra ele poder despachar a gente. Mas era sobre
o que mesmo, mãe?
– Nada.
Mais tarde eu falo com você.
E quando
Alberto percebeu que Sofia deu um jeito de sinalizar para Ramiro, solicitando
uma conversa em particular, empenhou-se em distrair os tios, pois sabia que daquela
conferência entre os pais era que viria o resultado da proposta que seu João
certamente tinha feito a Sofia.
Conversar
com seus tios era bom. Wellington era sempre jovial, e Rita era carinhosa e
inteligente. Alberto aproveitou para se desculpar por ter passado pouco tempo
com eles até ali, e se justificou com a imensa saudade que estava de conversar
e brincar com o primo, o que era verdade.
– E como
vão as coisas na escola, Alberto? – quis saber Rita.
– Tia,
sabe como é: não sou o melhor da classe, mas minhas notas não dão pra fazer
vergonha não – respondeu o garoto.
– E uma
namoradinha pra beijar na hora do recreio, você já tem? – perguntou Wellington,
levando imediatamente uma bifa no ombro, da mão de Rita. – Ai, meu bem. O que
foi que eu fiz?
Pela primeira
vez Alberto ficou desconcertado. Mas em três segundos todos estavam
sorrindo.
E foi
esse clima de descontração que Sofia e Ramiro encontraram quando reapareceram
na sala. Alberto e Leônidas lutaram para conter e disfarçar a ansiedade.
– Quer ir
passear em Coivaras amanhã, Sapo-Pinga? – perguntou Ramiro, crente em que a
resposta do menino seria negativa, em função da presença do primo em casa, de
quem ele não iria querer se afastar por uma manhã inteira.
–
Coivaras, pai? Como assim? – fingiu estrategicamente, Alberto.
– Seu
João da Mata me pediu pra deixar você ir ajudar ele a buscar o queijo amanhã –
declarou inocente, Sofia. – Falei que talvez você não fosse querer dessa vez, e
que eu não iria insistir pra você ir, se você dissesse que não. E por mim você
realmente não vai. Seu primo está aqui, vocês dois estão de férias, têm mais é
que brincar juntos à vontade.
– E o que
ele disse quando a senhora falou que talvez eu não fosse, mãe?
Sofia
hesita um pouco antes de responder.
– Bem,
ele disse uma coisa que me fez estranhar um pouco. Disse que se você não
quisesse ir pra não ficar longe do seu primo, isso não era problema, porque ele
levava os dois, caso a gente deixasse.
Alberto,
de propósito, exagera muito a expressão de quem adorou a ideia, já se virando
para os tios para pleitear sua permissão.
– Boa!
Seria um passeio e tanto pra mim e pro Leozinho! A Rural do seu João é uma
geringonça velha mas é muito segura, ele dirige sempre devagarinho e a estrada
é linda. Boa! Deixa, tia Rita, o Leozinho ir comigo? Deixa, tio Wellington?
Você quer ir, Leozinho?
– Acho
que sim – responde nervoso, Leônidas; ele não estava acostumado a ser
dissimulado. – Quero. Quero sim.
Rita e
Wellington se entreolharam. Depois olharam para Sofia e Ramiro.
– Alberto
– começou Sofia –, meu filho, você não precisa ir dessa vez. Como amanhã é
domingo e a mercearia não vai abrir, seu João pode levar o Domingos, como ele
faz de vez em quando.
– Seu
João tem sido um grande amigo da nossa família, mãe – retorquiu o garoto, num
surpreendente tom de gravidade. – Se ele pede que eu vá ajudar, é porque está
precisando. E eu não posso fazer a desfeita de negar ajuda pra uma pessoa
maravilhosa como ele, mãe. Ele nunca cortou o nosso crédito na mercearia, mesmo
quando papai está desempregado. A confiança dele na gente merece a nossa
consideração.
Os quatro
adultos na sala, e até o próprio Leônidas, cúmplice do primo, estavam sérios e
visivelmente comovidos com o discurso do menino.
– Só tem
um problema – prosseguiu Alberto. – Eu realmente não quero ficar um dia quase
todo longe do Leozinho. A gente já fica tempo demais sem se ver. Quero muito ir
ajudar nosso velho amigo, mas também quero aproveitar a companhia do meu primo.
Só vou se o Leozinho for comigo. Se tia Rita e tio Wellington não aceitarem,
vou entender. Sei que vocês se preocupam com o Leozinho. Mas o seu João é um
senhor de idade muito responsável. Já fiz essa viagem com ele várias vezes, e
todas elas foram muito boas. E além disso, sempre trago um quilo de queijo
fresquinho, né mãe?
Um minuto
de silêncio e expectativa geral. Todos parecem relutantes em tomar a palavra.
Por fim, Wellington rompe o clima de suspense:
– Bom, é
tempo de férias, não é? Acho justo que as crianças queiram tirar férias de nós
também por um dia. Confio nos garotos, e como todos dizem que esse seu João é
uma fofura de pessoa e já é um conhecido das antigas, não vejo porque não
deixar eles irem. Se a nossa rainha assinar embaixo, Leozinho, você está
liberado.
Todos
voltaram os olhos para Rita, os meninos já quase não contendo o grito de
vitória. Ela mordeu os lábios, olhou para a irmã e para o cunhado, e viu que
eles também entregavam a ela o poder do veredicto.
– Então
tá, né! Não vou querer o papel de megera da história – foi a sua resposta. – Só
quero que os dois prometam que não vão procurar emoções fortes demais nessa
viagem, se é que vocês me entendem.
Alberto
beijou os dedos em cruz três vezes.
– Meninos
do bem, tia, prometo!
A
descontração voltou ao ambiente, substituindo a tensão de um minuto antes.
Pouco
depois, Alberto e Leônidas saíram para o quintal, exultantes pelo sucesso na
primeira parte do plano, e subiram nos primeiros galhos do pé de azeitona,
contemplando a Serra de Santo Antonio cheios de novas sensações.
– É
amanhã, Leozinho! É amanhã que você realiza o seu sonho.
– Nem
acredito, Alberto – respondeu o garoto, com um sorriso radiante. – Eu estava
com tanto medo de que tudo isso não desse certo, que acabei não te ajudando em
quase nada. Você fez o que eu nunca teria conseguido. Em pensar que eu sempre
quis fazer esse passeio, mas que amanhã nós vamos estar lá sozinhos, livres pra
explorar a serra à vontade, durante a manhã inteira... Caraca, nem tenho
palavras...
Alberto,
igualmente feliz, dessa vez quis apenas saborear em silêncio o deslumbramento
que conseguira proporcionar ao primo, àquele que sempre fora o seu grande e melhor
amigo, o seu irmão secreto.
( E no próximo post, o início do Capítulo 4. Não perca!!!)
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