UMA NOITE, UMA GAROTA - post 3

Capítulo3
– Me
conta a tua história.
Ela havia me falado à
tarde de uns “pacientes” seus -
pacientes de psicoterapia! Detalhe: Dina tinha dezesseis anos. De
verdade, dezesseis aninhos. Fazia o segundo ano do ensino médio e queria ser
juíza e pianista. Por enquanto ia praticando a psicanálise apenas com base na
“lógica”. Era todo o seu método – a lógica.
Pois bem, meio achando
que ela estava querendo praticar comigo, meio achando que ela só queria me
conhecer melhor, fui contando tudo enquanto comíamos. Quando acabei de falar
foi a minha vez de ouvi-la, e pela primeira vez em todo aquele tempo eu a achei
chata, chatíssima, um pé no saco com toda aquela série de considerações “lógicas” encima do que eu
tinha dito. Suspirei aliviado quando enfim ela parou e prometi a mim mesmo que
se ela recomeçasse eu invocaria todas as minhas forças para ter a coragem de
estragar tudo e mandá-la tomar no cu. Mas logo tivemos que sair porque
começaram a baixar as portas da lanchonete. Cruzamos novamente a p2, passamos
pelo belo (e profano) templo de São Benedito e fomos nos sentar num banco na
Frei Serafim. Havia nuvens, ia chover. Depois de termos conversado ali
dispersivamente por um tempo enorme não me contive mais e lhe disse abertamente
que tinha ficado a fim dela. Mas facilitei muito dizendo que não precisava
falar nada se não tivesse sentindo o mesmo. Ela desconversou dizendo que não
estava interessada em ficar com ninguém naquele momento, aquele papo de dar um
tempo pra si mesma e etc., um jeito cortês de dispensar um otário. Depois pediu
pra gente ir ficar na parada do ônibus dizendo que ia chover e já eram quase
dez horas. Fomos.
Ficamos
sentados na calçada a alguns metros da parada cheia de gente, e só ali ela me
contou sobre o seu pai alcoólatra e das vezes que o encarou em defesa da mãe e
dos irmãos, contou também de quando foi morar com umas tias e isso me fez
lembrar Chordelos de Laclos e suas Relações Perigosas, porque ela me disse
que suas tias lhe ensinaram a ser “atriz”, a ser “fria”, a como usar as pessoas
para se conseguir o que se quer. Fiquei estupefato. Falei algumas coisas que
pensava sobre isso mas sem bater de frente com ela, não só pra agradá-la mas
porque a entendia, entendia a sua necessidade de se proteger.
Daí a pouco, bem no meio
do seu relato, ela simplesmente se levantou dizendo – “Aí vem o meu ônibus”,
pegou a mochila e os cadernos e se mandou, enquanto eu ficava olhando com a
maior cara de buceta que um ser humano já havia sido capaz de produzir. Minha
segunda-feira de sorte acabava de se transformar numa sexta-feira 13.
E eu não sabia, mas a
noite só estava começando a ficar estranha.
(continua)
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