A Escrita e a Saga: impressões sobre “A Fortaleza de Crispim”, de Eduardo Prazeres
Pedro Pio Fontineles Filho
Prof. Dr. do Curso de História da UESPI/CCM
Certa feita, em mais um momento de
plena lucidez, Clarice Lispector afirmou: “Eu escrevo para nada e para ninguém.
Se alguém me ler, será por conta própria e autorrisco. Eu não faço literatura:
eu apenas vivo ao correr do tempo. O resultado fatal de eu viver é o ato de
escrever”. Por muito tempo, essa assertiva da autora parecia não fazer muito
sentido, visto que toda escrita é sempre social e culturalmente localizada,
alémde endereçada. No entanto, a percepção da amplitude daquilo que pretendia
dizer a escritora, se fez quando da leitura do novo livro de Eduardo Prazeres, A Fortaleza de Crispim, publicado em
janeiro de 2017, pela editora Nova Aliança e por meio do Sistema de Incentivo
Estadual à Cultura – SIEC.
Após o inegável sucesso de Crispim e a sétima virgem, Eduardo
Prazeres inaugura o ano com o segundo livro da saga a Lenda de Crispim. Esse
livro, assim como todos os outros já publicados pelo autor, é um reflexo da
própria saga de um escritor que tem tomado e tornado a escrita sua filosofia de
vida, ou melhor, a sua vida. Nesse sentido, aquilo que Clarice Lispector havia
dito, afirmando que ela não escrevia para ninguém, também pode ser aplicado a
Eduardo Prazeres, pois ambos têm o ato de escrever com o “resultado fatal” de
viverem. Esse viver está na vivência da literatura que produzem. Eduardo
Prazeres vive visceralmente aquilo que escreve.
Em seu novo livro, o literato está
mais à vontade, mais seguro, mais ousado e mais complexo, sem perder as suas
características que fizeram dele um grande representante do que se poderia
chamar de nova geração de romancistas no Piauí. A sua projeção para além dos
limites do estado também faz parte de sua saga, de sua construção como
escritor. E, nessa construção, talvez um dos pontos mais louváveis de sua
trajetória, ou melhor, de sua saga, é a sua permanente humildade, pois não
deixa, nos pré e pós-textuais do livro, de agradecer e homenagear seus
leitores, seus familiares, seus amigos (inclusive alguns citados na própria
narrativa, como se observa no capítulo 11, tornando-se “personagens”,
especialmente no teatro...lugar do qual o escritor não se desvincula, e nem
deve!) e os incentivadores e financiadores em geral da sua escrita.
Assim como em Crispim e a sétima virgem, esse novo livro se apresenta como uma
fonte quase inesgotável para professores e pesquisadores de diferentes áreas,
além da Literatura, visto que transita pela História, pela Filosofia, pela
Sociologia, pela Geografia.No tocante à Linguagem, o autor busca dar identidade
e personalidade a seus personagens, mesclando traços da narrativa escrita e da
narrativa oral, apresentando palavras e expressões tanto coloquiais quanto
eruditas, bem como gírias e regionalismos. Isso se torna uma excelente
oportunidade para que os professores de Língua Portuguesa possam implementar
ricas análises. A intertextualidade também é algo marcante na obra de Eduardo
Prazeres, repetindo-se em A Fortaleza de
Crispim. Referências à Literatura estrangeira e nacional, assim como ao
cinema, encaixam-se de forma sutil na narrativa.
No livro, o leitor vai encontrar uma
exímia pesquisa, feita pelo escritor, acerca de outras culturas e práticas
(entre o oriental e o ocidental), que se misturam com a cultura local e
regional. E é nesse trabalho de “romper” limites e fronteiras que Eduardo
Prazeres deixa transparecer suas convicções acerca da vida, da amizade, do amor
e do fazer literário. O leitor mais atento notará o seu aprofundamento
filosófico, antropológico e social (sobre as noções de realidade, de indivíduo,
de tempo, de criminalidade, violência, política, e de religiosidade e fé); os
seus conhecimentos sobre a História do Piauí (como a escravidão e as lutas pela
independência do país); seu conhecimento da geografia e do espaço urbano
(principalmente dos rios, das ruas, avenidas e prédios da capital); suas
concepções sobre relações humanas, étnicas, sociais, de gênero, de respeito e
tolerância. São inúmeras as possibilidades de abordagem de seu livro.
Quanto ao autorrisco de quem ler, como
salientou Clarice Lispector, o leitor deve se aventurar nesse risco, pois, de
fato, A Fortaleza de Crispim é um
texto envolvente, dinâmico e provocante. Não somente pelo enredo e pela
narrativa, mas pelas múltiplas facetas de leituras e interpretações, que dele
brotam. Caros leitores, arrisquem-se nessa saga, “preparem-se para todas as
emoções inesperadas. Porque é isso que encontram aqueles que se aventuram na
Fortaleza de Crispim” (p. 310).
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