EL MATADOR - a performance
Na noite desta última quarta-feira, dia
04 de julho, a praça do palco ao ar livre da Escola Técnica de Teatro Prof.
José Gomes Campos estremeceu sob a reprodução do som ancestral dos tambores das
nações indígenas que habitaram as terras do Piauí ao longo de muitos séculos,
até serem dizimadas pelo criminoso processo de colonização/tiranização do dito
“homem civilizado”.
Tomando como mote criativo o poema El Matador, de H. Dobal, a turma do
módulo II do turno tarde do curso de teatro, sob a coordenação e direção dos
professores Xico Carbó, Giselle Tôrres e Laila Caddah, sintetizou, através de
uma construção cênica bastante poética e eficaz em poder de imersão do público,
pelo apelo sensorial, o drama de um povo nativo ante o ato usurpador e violento
dos prepotentes invasores de suas terras, ladrões de sua liberdade, sua
cultura, da vida de seus corpos físicos e de seu legado imaterial – sua língua,
suas crenças, sua filosofia e sabedoria popular.
A performance se inicia com um quadro de
apelo sensorial e elemento de imersão arrebatadores: três índios executando um
toque ritual com seus instrumentos tribais. Uma cena de abertura que nos
desperta o desejo de vê-la se prolongar, como se pressentíssemos que esse
prolongamento fosse capaz de nos proporcionar uma conexão espaço/temporal com
nosso passado remoto, com nossas raízes mais profundas e com a origem de tudo
que somos. É impossível contemplar os três índios (perfeitamente
caracterizados) em seu ato ritual e não se sentir parte daquilo que eles
celebram e ao mesmo tempo reivindicam – sua liberdade, seu canto mágico de
adoração, louvor e, simultaneamente, seu grito de guerra contra os opressores.
Curiosamente, os outros três personagens
indígenas que discursam diretamente sobre o palco, dando voz a toda a
indignação contra os opressores, são três mulheres – outra classe oprimida ao
longo da História, em todas as épocas e praticamente em todas as culturas. Que
tenha sido uma escolha proposital ou mera determinação de possibilidades do
grupo para o elenco, a imagem gerada teve sua carga simbólica positivamente
potencializada.
Os adereços, maquiagem, figurinos e
elementos cenográficos da performance foram, a meu ver, genialmente precisos,
sintéticos e certeiros, por terem comunicado toda a ambientação de época
pretendida com uma inteligente economia de recursos e materiais. A iluminação
natural à base de archotes, as folhas secas espalhadas pelo chão, os cipós
entrançados e ardendo em alguns pontos, também são pequenos mas poderosos
detalhes que sugaram o público para dentro do espaço imaginário de uma outra
era, de um outro aqui. O universo conspirou a favor, fornecendo à encenação ao
ar livre uma belíssima noite estrelada, elemento cênico inusitado (e, claro,
não controlado pelos encenadores), saboreado apenas por aqueles que assistem a
um espetáculo com o olhar atento às sincronicidades casuais do ambiente e da
situação (confesso ser esse tipo de maníaco).
Ao final da apresentação tive o insight
de produzir este texto, resgatando um velho hábito meu que anda meio
adormecido, de escrever sobre tudo que assisto no teatro, e também como forma
de gratidão pelo empenho e a doação dos artistas envolvidos nesta linda
produção. E, num gesto intuitivo, improvisado, liguei o gravador de áudio do
celular e entrevistei a professora Giselle e o professor Carbó, pedindo que
falassem sobre este processo criativo. Faço a seguir um recorte transcrito dos
principais pontos ressaltados no depoimento dos dois:
Giselle
Tôrres:
“Nós sabíamos que queríamos falar sobre
a realidade do índio hoje, porque essa é uma questão que, aqui no Piauí, vem
desde o século XVII, mas a violência e o extermínio contra os índios, no Brasil
inteiro, permanece até os dias de hoje. Veja o caso do índio Gaudino, que ficou
impune. Queríamos trazer um protesto contra isso. Então, usando a linha brechtiana,
trabalhada pelo professor Carbó no módulo II do nosso curso, e a questão do
pulso-ritmo, trabalhada em Expressão Corporal II, pela Laila Caddah, unimos
esses elementos ao meu trabalho de direção. Quando pensei na iluminação, pensei
em como oprimir a plateia. Eu iria colocar várias palhoças em que a gente iria
tocar fogo, mas fiquei apreensiva porque vieram crianças assistir, e acabamos
priorizando a questão da segurança. Também queria ter usado uma projeção, mas
tivemos problemas com o Datashow. Em suma, é um espetáculo que resultou da
união entre as três disciplinas do módulo II, interpretação, expressão corporal
e encenação.”
Xico
Carbó:
“Nós começamos por pensar no poema,
desde o início deste período trouxemos a proposta do poema El Matador. Foi um
processo tranquilo, cada um dos três professores se organizou e procurou ajudar
um ao outro. Mas a direção ficou a cargo principalmente da Giselle, que é quem
está mais afinada com essa área. Quanto ao grupo dos alunos do módulo II, eu
quero parabenizá-los. A meu ver, eles são não apenas o módulo II, mas sim um
autêntico grupo de teatro dentro da Gomes Campos. Eles têm um trabalho coletivo
muito forte, são muito coerentes com o que querem fazer e são esforçados. Eles
são muito unidos, essa união é o ponto mais forte deles. Basta uma pessoa para
organizar, porque eles são muito receptivos. Gostei muito de trabalhar com
eles, foi uma experiência muito bacana que vivi aqui na escola.”
Assim, de minha parte, também só tenho a
parabenizar aos professores e aos alunos do módulo II do turno tarde. Se houve
senões que poderiam ser apontados aqui e não foram, é que tenho a compreensão
de que um trabalho feito em tempo recorde, como são as produções para o Momento
Cênico da escola, com artistas em franco momento de aprendizado e
experimentação do seu potencial criativo, deve sim receber destaque pelos seus aspectos
positivos e pelos acertos obtidos no processo. Claro que apontar os senões de
forma honesta e intenção construtiva ajuda a moldar o talento e contribui com o
aprendizado. Mas... quer saber? O Texto é meu e eu prefiro falar apenas dos
elementos positivos que identifiquei. Afinal, em nossa profissão, não faltarão
aqueles olhares sempre focados no que deu errado. Já eu escolho me solidarizar
com Torquato Neto e cantar com ele, em uníssono: “Só quero saber do que pode dar certo/ Não tenho tempo a perder!”
Parabéns a todos!!!
Fui!!!
Eduardo Prazeres
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