Prólogo do meu novo livro SÁRDIRUS - A TERRA LENDÁRIA DO AGRESTE
PRÓLOGO
Depois de dirigir os 84 quilômetros de Teresina
a Campo Maior, Leônidas tomou o rumo da antiga estrada de ferro, agora
desativada, e estacionou de propósito sobre os trilhos, como faziam em outros
tempos aqueles que queriam desafiar o trem.
Fazia uma
noite chuvosa do mês de Janeiro, quando a terra no Piauí se renova em todos os
seus aspectos e, por um momento, parece que as mudanças climáticas transportam
a tudo e a todos para um outro lugar, onde o sol, o calor e a seca não exercem
o seu poder com tanta veemencia, e pode-se contemplar a vida no exuberante
verde renascido da vegetação e senti-la mais prazerosamente no frescor da tarde
ou nas bem-vindas noites frias.
Durante
os flashes de luz produzidos pelos relâmpagos, Leônidas contempla através do pára-brisa
do seu carro a Serra de Santo Antonio, que aparece e desaparece, e recorda-se
dos acontecimentos ocorridos há tantos anos e mantidos em segredo até ali. A
emoção o domina. E, apesar da chuva forte, ele abre a porta do carro e sai,
entregando-se àquele devaneio de ficar ali, olhando a serra ao longe, sozinho
no meio da noite de inverno.
Enquanto
a água penetra seus cabelos e o tecido da sua roupa, encharcando seu corpo
inteiro, sua alma viaja no tempo, aventura-se no passado e retorna ao presente
na mesma velocidade em que a chuva cai sobre a cena solitária.
Os faróis
do carro estão acesos e os vidros das portas fechados, por isso seu interior
não pode ser alcançado pela visão de Leônidas. Ele sorri, apenas imaginando o
envelope sobre o painel. Um envelope volumoso, contendo os originais do seu novo
livro, recém-finalizado. Em outro envelope mais fino, as folhas de uma cópia do
novo contrato com uma das maiores editoras do país, a qual já publicou os
livros anteriores de Leônidas e vem ajudando-o a ter renome nacional.
Ele abre
os braços para a tempestade, fecha os olhos e mentaliza as primeiras palavras
de seu livro:
“Por trás de cada par de olhos um segredo, um
mundo e seus enigmas; dentro de cada par de olhos, um labirinto de saberes e
sensações, um universo de coisas que, por mais que se revelem, jamais poderão
ser plenamente compartilhadas.”
O segredo
escondido por trás dos olhos – dentro dos olhos – de Leônidas finalmente seria
revelado ao mundo. Porém, de maneira tão estratégica que, mesmo compartilhado,
continuaria a ser um segredo.
Abrindo
os olhos, por um segundo a claridade dos faróis parece excessiva, pois as
pupilas estão dilatadas e ele consegue enxergar a silhueta das árvores mais
distantes. Um novo raio produz seu fugaz amanhecer no horizonte, rasgando as
trevas, descortinando por um curtíssimo instante a imagem longínqua da Serra de
Santo Antonio. Embevecido, antes que aquela imagem desapareça num piscar de
olhos, Leônidas exclama:
– Sárdirus!
E como
se, por algum motivo, quisesse enfatizar para si mesmo o som daquela estranha
palavra ou canalizar sua energia, ele enche os pulmões até o limite e repete,
num grito cheio de êxtase:
–
Sáaaaaaaardirus!
O som
arrastado e suave de um trovão ao longe ressoa no ar, como uma voz poderosa e
amigável que respondesse de um outro mundo, invisível e misterioso. Leônidas
sorri.
– Olhos aos que não veem! – diz Leônidas, com
ar de quem relembra palavras ditas em um passado remoto ou algum momento sublime.
“Olhos aos que não veem!”
E mais
uma vez ele se volta para o interior do carro, apurando a vista na direção dos
dois envelopes sobre o painel.
Seu
livro. Seu contrato editorial. Sua história contada na forma de uma narrativa
de ficção, cujo conteúdo provavelmente apenas uma pessoa na face da terra, além
de Leônidas, saberia que nada tinha de ficção e era a mais absoluta verdade:
seu primo Alberto.
Vinte
anos separavam aquela noite chuvosa dos acontecimentos relatados no livro de
Leônidas em forma de ficção. Acontecimentos, na verdade, vividos por ele e seu
primo Alberto. Vinte anos de um segredo que agora seria conhecido por milhares,
talvez milhões de pessoas, e continuaria a ser um segredo.
Os olhos
de Leônidas, meio embaçados pela água da chuva, se esquecem da tempestade e da
escuridão à sua volta, para visualizarem as primeiras cenas daquele fim de
tarde já distante no tempo, mas ainda tão vivo em sua memória, quando ele e
seus pais desembarcaram no pequeno terminal rodoviário de Campo Maior, em viagem
de férias.
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